O barulho do sol, ao se pôr no Pacífico....



domingo, 6 de fevereiro de 2011

Crônica de Domingo, Obviamente.





Tarde de asfalto quente, sombra fresca. Mais um domingo óbvio. À beira do precipício final da rua sem saída, uma vila se escondia por trás de um portão qualquer, dentre o matagal de portões da cidade. Uma voz de menino na primeira casa. O pai na laje, tomando sol e cerveja, lia o jornal. O menino narrava o jogo do Corinthians e Palmeiras lido da tela do computador. O pai fazia as interjeições necessárias para demonstrar algum interesse pelo filho. Na verdade, analisava com displicente curiosidade os classificados. Sessão de acompanhante, claro.

Na laje ao lado, a vizinha. Nua, obviamente. Ela pouca atenção prestava à cena familiar, segura de que não poderia ser vista por eles. Mas por todo resto do bairro, sim. O que também pouco lhe importava. Usava óculos verdes, fumava cigarros de folha de uva trazidos da Índia e tinha permanente uma mandala celta ao redor do tornozelo. Sua maior preocupação no momento era justamente não ter nenhuma preocupação. Uma lagartixa mínima observava da sombra o corpo dourado da menina e invejava-lhe a compostura. Apesar da fama, a pobre réptil não tinha a amorosidade esperada pelo banho de sol.

Na casa do meio, um momento reflexivo profundo. Estava o infante de 6 meses a ponderar se chorava ou não. Havia muito que lhe deixaram no berço e estava cansado das caras desengonçadas dos bichos plásticos do móbile. Talvez um princípio de fome. Mas o ventilador de teto em oposição ao sol que se mostrava detrás da janela colocava em dúvida as vantagens de sair das grades. Uma mamadeira no berço seria a solução utópica. Utópica porque tinha a convicção de que os grandes jamais entenderiam a sua reivindicação. Obviamente. Com eles não havia meio termo, era sempre oito ou oitenta. Suspirou e deixou-se apreciar um tanto mais de vento.

Um riso. Uma risada. Um riso. Uma risada. Todo domingo era o mesmo ritual. A velha da casa 4 passava a semana sozinha e, para tentar despistar a solidão, gostava de rir bem alto nos almoços familiares em sua casa. Como se a afirmação de companhia pudesse lhe render alguns dias de afeto. Ou talvez tivesse vergonha da sua solidão e aproveitava o momento para dizer aos demais moradores da vila que não era bem assim. Na cozinha para pegar o açúcar, lhe escapa uma lágrima. Por óbvio, o cafezinho depois da refeição lhe inspirava uma especial tristeza. Ela, enganando a si mesma, dizia não saber porquê...

Entrecortado de folhas, o sol batia diferente na última casa. Todas as portas trancadas. As janelas cerradas. Quem não soubesse, diria que os moradores saíram de férias. Mas não haviam moradores. Da família só restava ali o patriarca, cujos óculos redondos ainda da época da universidade descansava sobre um livro de arte do neolítico. Restara. O senhor faleceu na semana anterior e nenhum dos filhos ainda tivera coração ou cabeça para dar destino aos bens. O jogo de porcelana portuguesa da mãe, as fotografias em largas molduras douradas do casamento dos bis-avós, os livros com manchas de tempo nas bordas. Estavam principalmente perplexos com o que fazer com a extensa coleção de pedras originárias dos mais distantes rincões, cuidadosamente dispostas e catalogadas em armários de vidro pela casa.

A poeira acumulada da semana não se deu o trabalho de levantar quando, quase em uníssono, saiu um grito de gol, uma gargalhada histérica e um choro de criança.


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